30 janeiro 2014

Quem realmente ganha com o ASFALTO em nossas cidades?

Uma das particularidades que muito chamam a atenção sobre a rua Gonçalo de Carvalho no exterior é seu calçamento de pedras, a rua não é asfaltada.


O decreto que preservou a Gonçalo de Carvalho em 2006, também preservou seu calçamento, ela não poderá ser asfaltada!

Texto no Blog "Cão Uivador":

Pelo “desasfaltamento” de Porto Alegre
Semana passada, passei pela avenida Venâncio Aires, no bairro Santana. A via passa por obras de recapeamento, e para isso teve o asfalto antigo “raspado”, para depois ser feita a nova cobertura. A visão era nostálgica: vinha à tona o antigo pavimento da avenida, de paralelepípedos. Pensei no quão bacana seria se todo o asfalto tosse retirado e a Venâncio voltasse a ser de paralelepípedos, mas, pouco tempo depois, alguns trechos já tinham sido asfaltados.

Reparei, então, em quantas ruas foram asfaltadas sem necessidade em Porto Alegre. Uma delas é a Pelotas, onde morei durante minha infância e que já tinha asfalto na década de 1980: rua sem muito movimento de carros, mas por onde passaram, até 1999, os caminhões da Brahma – óbvio que o motivo para o asfaltamento da via foi esse. A fábrica se mudou, mas o asfalto ficou.

Mas lembro de tempos em que outras hoje asfaltadas eram de paralelepípedos. Algumas bastante movimentadas, como a Ipiranga (que só recebeu asfalto no trecho entre a Borges de Medeiros e a João Pessoa em meados da década de 1990). Outras, porém, não tinham movimento tão grande que justificassem asfaltamento – casos da Fernando Machado e do trecho da Cristóvão Colombo entre a Barros Cassal e a Alberto Bins. Enquanto isso a movimentada Borges de Medeiros continua a não ser asfaltada entre a Ipiranga e a José de Alencar, e espero que ninguém invente de fazer isso.

“É ruim para os carros andar em ruas de paralelepípedos”, dirá algum motorista irritado. Ruim, não: é bom. Pois o calçamento ajuda a inibir as altas velocidades (muito embora não falte maluco disposto a acelerar sempre). Em uma rua asfaltada, a tentação de pisar fundo no acelerador aumenta, já que o veículo não “pulará” como nos paralelepípedos. Logo, inibir altas velocidades é bom – dá mais segurança tanto para os pedestres como também para os motoristas que preferem manter um ritmo mais “civilizado”, sem acelerar tanto.

Outro bom motivo para preferir o calçamento ao asfalto tem a ver com o escoamento da água das chuvas. Ruas asfaltadas são muito mais impermeáveis, e com isso, tendem a alagar mais em chuvaradas – assim como o entorno. Um dos melhores exemplos nesse caso é o que aconteceu na região do bairro Santana próxima à Jerônimo de Ornelas, asfaltada há cerca de 15 anos: a rua Laurindo, distante uma quadra, alagava “naturalmente” em enxurradas por ser uma baixada; após a Jerônimo receber asfalto, a quantidade de chuva necessária para inundar a Laurindo diminuiu. E poderia ser pior, se a própria Laurindo e ruas adjacentes não fossem de calçamento.

E esse calor, hein? Tem sido o assunto mais falado neste rigorosíssimo verão que ainda está longe de acabar. E como se não bastasse, a previsão é de que vai esquentar bem mais nos próximos dias e o tão esperado alívio demorará a vir. E o que isso tem a ver com asfalto? Bom, lembremos daquilo que tanto se diz, sobre roupas escuras serem mais quentes: acontece que elas refletem menos a luz; assim absorvem mais energia e consequentemente esquentam mais. Compare então a cor do asfalto com a do paralelepípedo: o que deixa a rua mais quente?

Outro aspecto bacana de manter o calçamento antigo é a preservação da memória, o que vai muito além da nostalgia por paralelepípedos. Sob o asfalto de muitas ruas, por exemplo, estão escondidos os trilhos dos bondes: eles deixaram de funcionar em 1970, mas lembro de algumas vias nas quais na década de 1980 os trilhos ainda apareciam e me chamavam a atenção; então meu pai explicava que era por ali que passavam os bondes, como eles funcionavam etc.

Isso deveria ser suficiente para que não se asfaltasse tantas ruas e seus calçamentos fossem mantidos. Porém, infelizmente, muitas pessoas acham que isso é “atraso”, e assim, nas metrópoles ou em cidades de interior, impera a política do “asfalta tudo” (em Porto Alegre, até parques!). Os carros continuam a ter maior importância que as pessoas para nossos governantes.

É um tanto arriscado dizer, mas ainda assim, digo: em 2016, um candidato a prefeito que propuser o “desasfaltamento” de Porto Alegre terá grande chance de receber meu voto. Mas que ele não se satisfaça com isso: caso não cumpra, pode esquecer meu apoio na eleição seguinte.